"Tertuliano e Orígenes em defesa da Sola Scriptura." Por Lucas Banzoli



Tertuliano (160 - 220)


Tertuliano também se esforçou em mostrar a autoridade única da Bíblia:


“Pois mesmo o apóstolo, em sua declaração - que ele não faz sem sentir o peso dela - que ‘Cristo morreu’, imediatamente adiciona, ‘de acordo com as Escrituras’, para que ele possa aliviar a dureza da declaração pela autoridade das Escrituras, e assim remover a ofensa do leitor”[1]


Para ele, a única razão que poderia levá-los a crer em uma doutrina é se ela fosse dada a eles nas Escrituras:


“Certamente não se poderia crer até mesmo nestas coisas mesmo do Filho de Deus, a menos que elas fossem dadas a nós nas Escrituras”[2]


Ele não diz: “a menos que nos seja dado na Escritura ou na tradição”, mas somente na Escritura. Ela é a única autoridade que pode levar um cristão a crer em alguma doutrina. Ela também é suficiente, como ele disse:


“Nos deixe felizes em dizer que Cristo morreu, o Filho do Pai; e deixe isto ser suficiente, porque as Escrituras nos disseram assim”[3]


Para ele, a “voz do Espírito Santo” presente na Escritura já é suficiente e nenhuma outra deliberação é necessária além disso:


“E por que deveria eu, um homem de memória limitada, sugerir alguma coisa mais? Por que recordar algo mais nas Escrituras? Como se a voz do Espírito Santo não fosse suficiente; ou então qualquer outra deliberação fosse necessária, se o Senhor amaldiçoou e condenou por prioridade os artífices dessas coisas, dos quais Ele amaldiçoa e condena os adoradores!”[4]


Contra a escola de Hermógenes, ele declara uma das mais enfáticas afirmações da Sola Scriptura, dizendo:


“Mostre-nos a escola de Hermógenes que o que ela ensina está escrito: se não está escrito, trema em vista do anátema fulminado contra aqueles que acrescentam à Escritura, ou tiram alguma coisa dela”[5]


Havia, portanto, duas opções: ou a doutrina estava escrita (nas Escrituras) e era válida; ou, se não estava escrita, representava um acréscimo às Escrituras e seria alvo do anátema fulminado de Deus. Por essa declaração vemos quão seriamente os primeiros Pais da Igreja levavam o conceito de Sola Scriptura, onde apenas as doutrinas que estavam escritas na Bíblia eram aceitas e onde qualquer coisa a mais ou a menos que isso era anátema. 




• Orígenes (185 - 253)


Assim como os demais, Orígenes reforçou o fato da suficiência das Escrituras. Ele declarou que “o que temos tirado da autoridade da Escritura deve ser suficiente para refutar os argumentos dos hereges”[6]. Quando ele entrava em debates teológicos, fazia questão de dizer que a discussão em pauta deveria ser resolvida com base na Bíblia. Ele disse:


“Em terceiro lugar, os apóstolos nos manifestaram o Espírito Santo, associado em honra e dignidade ao Pai e ao Filho. Nisto, porém, já não se distingue manifestamente se o Espírito Santo é gerado ou não gerado, ou se deve ser tido também ele mesmo como Filho de Deus ou não. São estas coisas que devem ser investigadas com o melhor de nossa capacidade através de uma cuidadosa busca a partir das Sagradas Escrituras”[7]


“Importa, portanto, que use destas coisas como de elementos e fundamentos, segundo o mandamento que diz: ‘Iluminai-vos pela luz da ciência’, todo aquele que deseje construir uma série e um corpo de razões de todas estas coisas, para investigar por meio de afirmações manifestas e necessárias o que haja de verdade em cada uma delas, e edificar um corpo de exemplos e afirmações a partir do que tiver encontrado nas Sagradas Escrituras”[8]


“Ora, tudo isto, como sublinhamos, foi feito pelo Espírito Santo para que, vendo que aqueles eventos que jazem na superfície não podem ser nem verdadeiros nem úteis, possamos ser guiados à investigação daquela verdade que está oculta mais profundamente, e à afirmação de um significado digno de Deus naquelas Escrituras que cremos inspiradas por Ele”[9]


Ele também fazia questão de analisar na Bíblia a veracidade de cada doutrina ou teoria elaborada. Quando alguma coisa não era confirmada pela autoridade da Sagrada Escritura, ele rejeitava, para dar lugar àquilo que era bíblico:


“Não observo que isso seja grandemente confirmado pela autoridade da Sagrada Escritura; ao passo que, em relação aos restantes dois, se encontra um considerável número de passagens nas Sagradas Escrituras que parecem passíveis de ser-lhes aplicados”[10]


A prova das doutrinas que ele afirmava ele não tomava da tradição, mas das Escrituras:


“Para tratar de tantas e tais coisas não basta confiar a sumidade deste assunto aos sentidos humanos e à inteligência comum, discorrendo, por assim dizer, visivelmente sobre as coisas invisíveis. Devemos tomar também, para a demonstração das coisas de que falamos, os testemunhos das Divinas Escrituras”[11]


“Exortados assim brevemente pela própria lógica e coerência do assunto, embora nos tenhamos estendido um pouco, seja suficiente o que dissemos para mostrar que há algumas coisas cuja significação não pode ser explicada por nenhum discurso da língua humana, mas que são declaradas por uma inteligência mais simples do que as propriedades de quaisquer palavras. A esta regra deve ater-se também a inteligência das letras divinas, e considere-se o que se diz não pela vileza da palavra, mas pela divindade do Santo Espírito que inspirou quem as escreveu”[12]


O inverso também era verdadeiro. Se a razão pela qual uma doutrina era aceita era por sua conformidade com as Sagradas Escrituras – e não pela tradição –, o motivo pelo qual alguns erravam não era por ignorar a tradição, mas por ignorar as Escrituras ou não as ler corretamente:


“Feito este breve comentário sobre a inspiração das Sagradas Escrituras pelo Espírito Santo, parece-nos agora necessário explicar por que motivo alguns, ignorando o caminho pelo qual se alcança o entendimento das letras divinas, não as lendo corretamente, caíram em tantos erros”[13]


A Escritura como a base de todas as doutrinas fica ainda mais nítido quando vemos Orígenes dizendo que tanto os mais simples como os mais adiantados teriam que ser edificados pela Escritura, sem mencionar a tradição nem para um nem para outro:


“Deve fazê-lo, primeiro, para que os mais simples sejam edificados pelo próprio corpo das Escrituras, por assim dizer. É deste modo que chamamos ao entendimento comum e histórico. Se, porém, eles já começam a adiantar-se um pouco, de tal modo que possam entender algo mais profundamente, que sejam edificados também pela própria alma das Escrituras”[14]


Toda a busca dele pela doutrina verdadeira estava fundamentada na Escritura:


“Tudo isto, conforme dissemos, o Espírito Santo buscou para que, na medida em que o que está na superfície não possa ser verdadeiro ou útil, rapidamente fôssemos chamados à busca de uma verdade mais alta e procurássemos nas Escrituras, que cremos inspiradas por Deus, um sentido digno de Deus”[15]


A mesma Escritura, que os papistas afirmam ser insuficiente para a salvação, Orígenes dizia que foi concedida exatamente para a nossa salvação!


“Assim como o homem é dito ser constituído de corpo, alma e espírito, assim também o é a Sagrada Escritura que pela liberalidade divina foi concedida para a salvação dos homens”[16]


Ele também defendia o livre exame. Ao invés de dizer que o significado das passagens só poderia ser examinado e descoberto pelo magistério romano, ele afirmava que qualquer pessoa inteligente que estudasse as Escrituras poderia descobrir por si mesma o significado:


“As pessoas de inteligência que desejam estudar a Escritura também podem descobrir o seu significado por si mesmas”[17]


Até mesmo as “verdades mais profundas” poderiam ser descobertas por quem investigasse por conta própria o significado nas Escrituras, citando três textos bíblicos em sua defesa:


“As verdades mais profundas são descobertas por aqueles que sabem como ascender de uma fé simples e investigar o significado que subjaz nas Escrituras divinas, conforme as admoestações de Jesus, que disse ‘Esquadrinhai as Escrituras’, e o desejo de Paulo, que ensinou que ‘devemos saber como responder a todo o homem’, sim, e também de quem disse ‘estai sempre preparados para dar um resposta a todo aquele que vos pedir a razão da fé que há em vós’”[18]


É interessante notar que Orígenes em momento nenhum disse a Celso que se ele quisesse descobrir os significados mais profundos dos textos bíblicos ele teria que recorrer a um magistério infalível em Roma, ou consultar um papa que interpretaria as Escrituras infalivelmente. Ao contrário, o que ele reafirma é que qualquer pessoa pode estudar a Bíblia e descobrir por si mesmo o significado das passagens. Era exatamente o mesmo princípio restaurado pelos Reformadores, sendo pregado explicitamente naquela época.


Paz a todos vocês que estão em Cristo.

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