O reformador holandês Jacó Armínio se definiria como um sinergista? A resposta é não. É verdade que um bom número de arminianos e de calvinistas discorda disso, especialmente os mais militantes, mas muitos proeminentes teólogos arminianos descartam a palavra sinergia e a leem como inadequada para expressar o sistema doutrinário de Armínio. Como escreveu J. Matthew Pinson:
“A maioria dos arminianos, embora elogiando Armínio, o veem sob o prisma da teologia remonstrante ou wesleyana, [e] dessa forma, [acabam] descrevendo-o em termos mais sinérgicos ou semipelagianos” [1].
O protestantismo é essencialmente monergista porque, como movimento e teologia, nasce no contexto da cristandade ocidental de tradição agostiniana. Jacó Armínio certamente não ignorava isso. Aliás, a tradição cristã ocidental faz uma leitura monergista da doutrina da graça desde cedo. Essa tendência já era visível em Tertuliano, Cipriano e floresceu em Agostinho. A patrística oriental, por outro lado, não conheceu uma crise pelagiana. Entre os pais orientais a sinergia foi um conceito pacífico. Portanto, a teologia da “cooperação” - tão presente no Concílio de Trento - representou um afastamento oficial da teologia católica sobre o entendimento dos pais latinos a respeito da doutrina da graça e a aproximou, pelo menos nesse aspecto, da Igreja Oriental. Armínio, sem dúvida, se via como parte da tradição agostiniana como um bom protestante que era.
Armínio, mais do que um agostiniano, professou ser um reformado convencional. Várias vezes, especialmente no primeiro volume de sua obra, ele manifestou respeito pela Confissão Belga. No segundo volume ele faz uma declaração enfática:
Jamais ensinei nada, quer na igreja ou na universidade, que transgrida os textos sagrados, que devem ser, para nós, o único modo de pensar e de falar, ou o que se opõe à Confissão de Fé holandesa [Belga], ou ao Catecismo de Heidelberg, que são nossos mais rígidos formulários de consentimento. Como prova do que acabo de dizer, posso apresentar, como testemunhos claros e inquestionáveis, as teses que escrevi sobre esses vários artigos [...]. [2]
Embora a discordância sobre o entendimento calvinista de predestinação fosse claro, o teólogo holandês não se via como quem rompe com a sua antiga tradição, logo porque a tradição reformada não se resume ao pensamento de Calvino e seus seguidores. Ora, é sempre bom lembrar que o tema predestinação também foi objeto de debates entre luteranos e calvinistas[3]. A fé reformada, como mostra bem os livros de história, já nasceu plural, embora a pedra de toque seja, de fato, um entendimento monergista da relação de Deus com o homem no processo de salvação e santificação. Pinson escreve que “uma completa análise da própria teologia de Armínio revela que ela foi mais um desenvolvimento sutil da teologia reformada do que um radical afastamento dela”.[4]
O teólogo Carl O. Bangs, por exemplo, que é respeitado como um grande especialista em teologia arminiana, escreve que o sinergismo não pode ser considerado verdadeiro arminianismo[5]. Nesse ponto Bangs reproduz em concordância a opinião de William Burt Pope, um teólogo wesleyano do século XIX. Em sua tese original Bangs afirma categoricamente: “Armínio foi monergista”[6]. Outros teólogos arminianos como William den Boer, Mark Ellis, F. Leroy Forlines, J. Matthew Pinson e Stephen M. Ashby concordam com Bangs. O teólogo Forlines escreve: “o Arminianismo Clássico acredita em monergismo condicional no que se refere à justificação e regeneração. A justificação e regeneração são atos e disposições apenas de Deus” [7]. O termo condicional é acrescentado porque se acredita na possibilidade de resistência à graça.
Outros arminianos discordam desse ponto de vista, especialmente nomes como Roger Olson, Keith Stanglin e Thomas Mccall, sendo justamente os nomes mais populares entre os brasileiros. Roger Olson faz uma distinção entre sinergismo evangélico esinergismo herético-humanista. A explicação dele, embora seja um esforço louvável de distinção e delimitação, mais confunde do que esclarece[8]. E Armínio, homem que era tão preocupado em não transparecer nenhuma linguagem pegaliana ou semipelagiana certamente discordaria do termo, como já afirmado pelos autores acima mencionados.
[1] PINSON, J. Matthew. Jacó Armínio: Reformado e Sempre Reformando. Em: PINNOCK, Clark H. e John D. Wagner (Ed).Graça para Todos: A Dinâmica Arminiana da Salvação. 1 ed. São Paulo: Editora Reflexão, 2016. p 243.[2] ARMÍNIO, Jacó. As Obras de Armínio. Vl 2. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2015. p 396.[3] Leia mais sobre esse assunto em: McGRATH, Alister E. O Pensamento da Reforma. 1 ed. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2014. p 222-237.[4] PINSON. Idem. p 285.[5] BANGS, Carl O. Armínio: Um Estudo da Reforma Holandesa. 1 ed. São Paulo: Editora Reflexão, 2015. p 404.[6] BANGS, Carl. Arminius and Reformed Theology. Dissertação de Mestrado. University of Chicago, 1958, p 166. Citado em: PINSON, J. Matthew. Jacó Armínio: Reformado e Sempre Reformando. Idem.[7] FORLINES, F. Leroy; PINSON, J. Matthew e ASHBY, Stephen M. The Quest for Truth: Answering Life's Inescapable Questions. 1 ed. Nashville: Randall House Publications, 2001. p 235.[8] OLSON, Roger E. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades. 1 ed. São Paulo: Editora Reflexão, 2013. p 24.
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