Em suas cartas, Paulo fala da morte de Cristo tanto de uma maneira particularista (por um grupo específico) quanto de uma maneira universalista (por um grupo indefinido, vago). Meu argumento é que esses textos apresentam elementos compatíveis com a teologia paulina da expiação. Os textos universalistas não impedem a possibilidade da expiação limitada em Paulo; antes, a complementam. Um olhar atento para esses textos em si revela que o sentido de “muitos”, “todos” e “mundo” não pode ser interpretado de forma simplista em cada ocasião como significando “todos sem exceção” ou “cada pessoa”. Minha análise revela quatro pontos importantes quando se considera a linguagem universalista em Paulo:
Em primeiro lugar, embora Paulo possuísse o arsenal linguístico para declarar inequivocamente que não houve ninguém por quem Cristo não morreu, ele escolheu não usá-lo. Os termos “muitos”, “todos” e “mundo” permanecem indefinidos e vagos, dependentes de contexto para seus sentidos.
Segundo, o sentido dos termos universalistas “muitos”, “todos” e “mundo” é influenciado por vários fatores contextuais: (1) uma união implícita com Cristo (Romanos 5.12-21; 2 Coríntios 5.14-15); (2) um contexto eclesiástico em que o apóstolo está confrontando o falso ensino que promovia uma cultura elitista e exclusivista na igreja (1 Timóteo 1.4-7; 4.1-8; Tito 1.10, 14-15; 3.9); (3) um contexto literário onde o foco está em “todos os tipos de pessoas” (1 Timóteo 2.4-6; 4.10; Tito 2.11-14); (4) um contexto histórico-redentivo por meio do qual Paulo é apresentado como Apóstolo aos Gentios (Atos 22.15); (5) um contexto teológico em que o monoteísmo é a base para o evangelho ser para todas as pessoas (1 Timóteo 2.5-6; cf. Romanos 3.27-31); e (6) conexões bíblico-internas com textos no Novo e Antigo Testamentos (1 Timóteo 2.6; cf. Mateus 20.28/Marcos 10.45; cp. Isaías 53; Tito 2.14; cp. Ezequiel 37.23). A observação desses fatores nos coíbe de concluir que Paulo tem um sentido distributivo para sua terminologia universalista.
Terceiro, um texto tal como Colossenses 1.20, em que o impacto universal da obra expiatória de Cristo é destacado, acaba se revelando irrelevante para as discussões sobre a extensão da morte substitutiva de Cristo: argumentar retrospectivamente a partir da extensão universal de sua morte é uma dedução ilegítima. Como Romanos 8.19-23 demonstra, a restauração universal de toda criação tem como premissa uma redenção específica – a adoção dos filhos de Deus.
Quarto, os textos “perecíveis” de Romanos 14.15 e 1 Coríntios 8.11 (cf. Atos 20.28) foram apresentados no fim para apoiar a expiação limitada, em vez da universal; e aqueles que desejam usá-los em defesa de uma expiação universal precisam responder às consequências disso para a perseverança dos santos: alguns por quem Cristo morreu são salvos e depois, por fim, perdidos.
Com esses pontos em mente, agora é razoável entender como a linguagem universalista de Paulo é mais do que compatível com seu particularismo. Duas importantes ressalvas, contudo, são necessárias:
Em primeiro lugar, em argumentar por um sentido não-distributivo para os termos “muitos”, “todos” e “mundo”, não quero sugerir que, com esses termos, Paulo queira dizer “muitos eleitos”, “todos os eleitos” ou “o mundo dos eleitos”. Se houve alguns intérpretes reformados que argumentaram dessa maneira, então a exegese deles é infeliz. Calvino provou ser um exemplo melhor a seguir: ele não entra em conflito interpretando o termo “todos” em 1 Timóteo 2 como significando “todos os eleitos”, por um lado, nem defendendo que o apóstolo quer dizer “todos sem exceção”, por outro. Antes, há uma terceira opção: “todos os pecadores sem distinção”. Como Calvino argumentou, a discussão da predestinação é irrelevante para o contexto, mas isso tampouco o leva a concluir que “muitos” e “todos” devem, por isso, necessariamente significar “todo e qualquer indivíduo”. A linguagem de Paulo é deliberadamente indefinida e vaga, e todos os lados do debate deviam respeitar isso.
A razão por que às vezes Paulo usa a linguagem universalista em relação à expiação é porque ele está confrontando a heresia na igreja que promovia a salvação para uma elite e uns poucos distintos. Paulo é enfático em contextos assim: Cristo morreu por todos, pelo mundo, por judeus e gentios. Os termos são histórico-redentivos: Paulo vê o evangelho como o fim das eras em que a graça e amor de Deus devem ser proclamados a todos os povos da terra. Ele é o “grande universalizador do evangelho”. Nesse aspecto, o sentido de “todos sem distinção” deveria ser visto pelo que ele de fato é: superabrangente e inclusivo – ninguém é excluído: nem gentio, nem mulher, nem escravo, nem bárbaro, nem crianças, nem idosos, nem pobre, nem branco, nem negro – ninguém!
Segundo, a dimensão orgânica daqueles por quem Cristo morreu não deve ser negligenciada na teologia paulina da expiação. Paulo apresenta a morte de Cristo por indivíduos (Gálatas 2.20), mas também para todos orgânicos (Atos 20.28; Efésios 5.25; 2 Coríntios 5.19). Como Marido e Cabeça, Cristo morreu por sua noiva e corpo; como Salvador Cósmico, ele morreu pelo mundo; e como o Último Adão, ele morreu por uma nova humanidade. Nesse aspecto, Cristo é verdadeiramente o Salvador do mundo – um número incontável de pessoas de toda tribo, língua e nação.
(Adaptado do capítulo de Jonathan Gibson, “For Whom Did Christ Die? Particularism and Universalism in the Pauline Epistles”, para o livro From Heaven He Came and Sought Her: Definite Atonement in Historical, Biblical, Theological and Pastoral Perspective, editado por David Gibson e Jonathan Gibson [Wheaton, IL: Crossway, 2013] 328–330.)
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