"O Batismo Infantil" Por Marcos Granconato




A prática do batismo infantil foi adotada muito cedo pela igreja cristã. De fato, já no século 2 há evidências de que os cristãos batizavam seus bebês, uma vez que criam no batismo como uma forma de remissão de pecados, capaz de garantir a salvação das vítimas de morte prematura.

Esse chocante desvio do ensino apostólico é encontrado poucas décadas depois de concluído o Novo Testamento. Alguns documentos do século 2 que o atestam são a “Epístola de Barnabé” (11:1,11) e “O pastor de Hermas” (11:15; 93:2-4). Justino de Roma (Primeira apologia 66:1) e Teófilo de Antioquia (A Autólico 2:16) também estão entre os escritores do século 2 que defendem o batismo como forma de remissão de pecados.

É verdade que Tertuliano de Cartago (+ c. 220) se insurgiu contra essa prática. Porém, ele o fez porque entendia que o arrependimento para perdão de pecados mortais só poderia ocorrer uma vez depois do batismo.³ Segundo Tertuliano, esse fato deixava os que eram batizados muito cedo em situação perigosa, sujeitos a perder irremediavelmente e para sempre o favor de Deus na fase adulta. Para ele, esse era o motivo pelo qual o batismo devia ser protelado até que a pessoa se sentisse mais distante do perigo de cometer pecados mortais como o adultério, o assassinato ou a apostasia.[4]

Os reformadores do século 16 também foram favoráveis ao batismo infantil, sendo o pastor anabatista Menno Simons uma exceção. Timothy George explica o por quê:

“Em 20 de março de 1531, na cidade de Leeuwarden, capital da província holandesa da Frísia, um alfaiate itinerante de nome Sicke Freerks foi decapitado porque havia sido batizado pela segunda vez. Mais tarde, Menno comentou: “Soou muito estranhamente em meus ouvidos o fato de que alguém falasse sobre um segundo batismo” ... A execução brutal de Freerks deve ter deixado uma impressão marcante em Menno. De qualquer modo, ele começou a investigar o fundamento do batismo infantil. Ele examinou os argumentos de Lutero, Bucer, Zuínglio e Bullinger, mas achou que em todos faltava algo. Ele consultou seu colega sacerdote em Pingjum; leu os pais da igreja. Por fim, Menno pesquisou diligentemente as Escrituras e considerou seriamente a questão, mas não pôde encontrar nada sobre o batismo infantil. Ele chegou à conclusão de que “todos estavam equivocados sobre o batismo infantil”.[5]

Se, por um lado, há ampla evidência histórica em prol do pedobatismo entre os pais da igreja e os reformadores, de outro, como Menno Simons descobriu, não há nenhum fundamento bíblico que favoreça essa prática. A despeito disso, os expoentes do batismo infantil apresentam basicamente três argumentos em sua defesa.

O primeiro desses argumentos (e talvez o mais popular) é construído a partir da história narrada em Atos 16.27-34, referente à conversão do carcereiro de Filipos e seus familiares. Segundo o texto, depois que ouviu a Palavra do Senhor, o carcereiro foi batizado, ele e todos os da sua casa (At 16.33). No entender dos pedobatistas, certamente havia crianças bem pequenas naquela família, sendo todas incluídas no batismo realizado na ocasião.

É difícil, porém, levar esse argumento a sério, posto que se sustenta unicamente sobre o frágil alicerce da imaginação e da criatividade dos seus proponentes. Para desmantelá-lo, basta lembrar o fato óbvio de que nem todas as famílias têm bebês em casa.

A defesa do batismo infantil tem, na verdade, colunas de apoio muito mais sólidas do que o argumento exposto acima. Seus proponentes mais capazes expõem razões que merecem consideração séria e análise melhor elaborada.

É o caso do argumento relativo ao Pacto. Os pedobatistas entendem que, assim como os bebês dos israelitas eram circuncidados pelo fato de seus pais pertencerem ao pacto entre Deus e a nação judaica (Gn 17.10-14), da mesma forma os bebês dos crentes devem ser batizados, uma vez que seus pais, desde o dia em que se converteram, tornaram-se participantes do mesmo pacto por intermédio da fé em Cristo (Gl 3:7, 29).

Essa percepção ainda admite expressamente que os filhos de quem participa do pacto também pertencem eles próprios ao pacto, estando aí a razão principal para que se sujeitem ao símbolo desse mesmo pacto. O teólogo reformado Louis Berkhof (1873-1957) diz expressamente: “Os filhos dos crentes são batizados porque estão no pacto, independentemente da questão se já são ou não regenerados”.[6]

Levando esse raciocínio às últimas consequências, muitos de seus expoentes têm insistido, inclusive, no direito que os bebês, filhos de pais crentes, têm de participar até mesmo da ceia (!). Se essas crianças realmente fazem parte da aliança, dizem, sendo por isso batizadas, por que impedi-las de participar da eucaristia que, como o batismo, é também um símbolo pactual?

Retomando a defesa do batismo infantil, os pedobatistas afirmam que no passado o símbolo do pacto foi a circuncisão, mas, como ela foi anulada (Gl 5.2, 6; 6.15), o batismo a substituiu. Assim, de acordo com essa visão, o batismo infantil é o correspondente cristão da circuncisão judaica.

Essa conexão entre circuncisão e batismo é defendida especialmente com base em Colossenses 2.11-12. Nesse texto, dizem, circuncisão e batismo estão ligados, ambos representando o fim da velha vida de pecado, havendo, assim, forte associação entre os dois ritos.[7]

Em seu desdobramento final, toda essa argumentação conclui o seguinte: se Paulo iguala a circuncisão e o batismo e se o primeiro era aplicado aos bebês, nenhum absurdo há em aplicar também o batismo aos recém-nascidos.

Outro intrigante argumento em prol do batismo infantil é baseado em Romanos 4.11. Esse argumento é construído assim: em Romanos 4.11, Paulo define a circuncisão como “selo da justiça da fé”. Ora, no Antigo Testamento Deus ordenou que esse “selo da justiça da fé” fosse aplicado a bebês que não tinham fé (Lv 12.3). Logo, não é errado gravar com um selo de fé as crianças que ainda não crêem. Condenar essa prática seria reprovar o que o próprio Deus ordenou! Assim, considerando que o batismo também é um selo de fé, nada há de errado em aplicá-lo ao bebê que ainda não crê. Se o próprio Deus mandou que isso fosse feito, quem somos nós, dizem, para afirmar que é preciso crer antes de receber o selo da fé?[8]

Esse conjunto de argumentos, ainda que muito bem elaborado, está sujeito a sérios questionamentos. Primeiro: a noção de que a participação dos pais crentes no Novo Pacto autoriza o batismo de seus filhos, da mesma forma que a participação dos pais israelitas no Velho Pacto impunha-lhes o dever de circuncidar seus bebês merece grave objeção. Isso porque o bebê israelita não era circuncidado porque seus pais eram israelitas. Ele era circuncidado porque, sendo filho de judeus, “ele próprio” era israelita. A “causa direta” da circuncisão do bebê judeu não estava nos pais, mas no próprio bebê, no fato de ele mesmo ser um judeu.

Ora, não é esse o caso dos filhos dos crentes. Estes não nascem crentes, inexistindo neles próprios qualquer razão para que recebam o batismo. De fato, se o filho do israelita nascia israelita e, por isso, era circuncidado, o filho do cristão, por sua vez, não nasce cristão, não havendo razão nenhuma para ser batizado.

Há também uma grave deficiência no ensino de que o batismo é um substituto da circuncisão. Na verdade, absolutamente nada na Bíblia corrobora essa concepção. Mesmo o texto de Colossenses 2.11-12 está mui longe de confirmá-la. Aliás, uma simples leitura dessa passagem deixará o leitor surpreso, questionando onde é possível encontrar ali qualquer base para o ensino de que o batismo ocupa hoje o lugar da circuncisão.

A eventual surpresa do leitor será fácil de ser compreendida. Isso porque Colossenses 2.11-12 fala claramente da circuncisão do coração e do batismo do crente na morte de Cristo, ou seja, trata de realidades espirituais e não de ritos externos. Ademais, a passagem aponta essas realidades espirituais como fenômenos distintos e não como se o segundo fosse substituto do primeiro.

Com efeito, em Colossenses 2.11-12, Paulo explica que o crente foi circuncidado por Cristo (Rm 2.28-29). Isso significa, conforme o próprio v. 11 esclarece, que sua natureza pecaminosa foi despojada e enfraquecida (Rm 6.6). Em seguida, o apóstolo afirma que esse milagre aconteceu quando o crente foi batizado na morte de Cristo (v. 12), isto é, quando, pela fé, ele se uniu ao Salvador, morrendo para o pecado e ressuscitando para uma vida nova (Rm 6.3-4).

Assim, Paulo trata nessa passagem de duas realidades ligadas, porém bastante diferentes: a participação do crente na morte de Cristo (o que é chamado de batismo) e o amortecimento de sua natureza pecaminosa (a circuncisão do coração) decorrente daquela maravilhosa participação. Esse e somente esse é o ensino claro da passagem, estando mui longe de servir de base para a noção de que o batismo é a versão cristã da circuncisão judaica. Consequentemente, batizar bebês sob tal pretexto é prática carente de fundamento sólido.

Outro argumento contrário ao ensino da conexão entre batismo e circuncisão pode ser construído a partir da exposição que Pedro fez, no Concílio de Jerusalém, acerca de seu ministério junto aos gentios (At 15.6-11).

O relato de Atos mostra como Pedro foi chamado para pregar o evangelho aos gentios na casa de Cornélio (At 10.1-22) e como todos ali se converteram a Cristo, sendo, em seguida, batizados (At 10.44-48).

Ocorreu, porém, que, mais tarde, após a Primeira Viagem Missionária de Paulo, alguns indivíduos procedentes da Judeia começaram a ensinar que os gentios convertidos deviam ser circuncidados (At 15.1). Isso deu ensejo a que os apóstolos e presbíteros de Jerusalém, além de Paulo, Barnabé e outros irmãos de Antioquia, se reunissem para tratar da questão (At 15.2-6). De um lado, Pedro, Paulo e Barnabé defendiam a desnecessidade da circuncisão (At 15.2,10). De outro, os que pertenciam à seita dos fariseus exigiam que os gentios convertidos fossem submetidos ao rito judaico (At 15.5).

No fim, o parecer de Tiago foi decisivo e a igreja entendeu que os crentes gentios não precisavam se submeter à lei de Moisés, especialmente no tocante à circuncisão (At 15.13-29).

O que chama a atenção no curso dos debates em Jerusalém é a preleção de Pedro contra a necessidade da circuncisão (At 15.6-11). Ele havia batizado todos aqueles gentios que tinham se convertido na casa de Cornélio (At 10.47-48). Ora, se para ele o batismo correspondesse à circuncisão exigida pelos seus oponentes, por que não fez essa alegação em seu discurso? Por que Pedro não disse: “Meus irmãos, os gentios foram circuncidados sim, mas pelo novo método que é o batismo!”. Nenhum outro momento da história bíblica seria mais apropriado para enunciar esse ensino e calar de vez a boca dos cristãos judaizantes.

No entanto, Pedro sequer menciona ter batizado os gentios! Paulo também silencia sobre isso em seu discurso (At 15.12), levando a crer que a ideia de que o batismo é um substituto da circuncisão jamais passou pela mente dos apóstolos, sendo apenas fruto da criatividade de teólogos de séculos posteriores.

Quanto ao argumento construído sobre Romanos 4.11, em que a circuncisão é chamada de “selo da justiça da fé”, este também é facilmente desfeito. Conforme visto, seus proponentes afirmam que a circuncisão judaica, um selo da justiça da fé, devia ser aplicada a bebês sem fé, de modo que, segundo eles, nada pode haver de errado em fazer o mesmo com o batismo, outro selo da justiça da fé.

Essa linha de raciocínio, contudo, está equivocada, pois, ao chamar a circuncisão de selo da justiça da fé, Paulo se refere à circuncisão específica de “Abraão”. Tanto isso é verdade que, se o texto em análise for lido com atenção, fatalmente saltará aos olhos que a circuncisão ali mencionada é vista como um selo da justiça procedente da fé “que Abraão teve” quando ainda incircunciso.

A circuncisão isoladamente considerada, portanto, não era um selo de fé, mas apenas uma marca distintiva no corpo dos que participavam da Antiga Aliança. Para receber um selo de fé, é preciso ter fé. Foi por isso que quando o eunuco etíope perguntou a Filipe se podia ser batizado, o evangelista respondeu: “É lícito, se crês de todo o coração” (At 8.37).

Desse modo, batizar bebês permanece uma prática sem qualquer base nas Escrituras. Na verdade, apenas crianças que já compreenderam o evangelho e aceitaram sua mensagem podem ser batizadas. Isso porque antes de ser batizada a pessoa deve se arrepender e crer em Cristo (At 2.38, 41-42; 8.37).

Ademais, se, conforme visto, o batismo é um gesto “proclamativo”, “identificador”, “simbólico” e “dramatizador”, só estão aptos a se sujeitar a ele quem sinceramente proclama ter uma boa consciência para com Deus, quem se identifica com a comunidade de discípulos de Jesus, quem pode afirmar simbolicamente que foi lavado pelo Espírito Santo e quem de fato morreu para o pecado e ressuscitou para uma nova vida, de maneira que tem o direito e o dever de encenar essas realidades por meio do rito batismal.

Autor: Pr. Marcos Granconato
Livro: “A Prática da Igreja de Deus”, pág. 62-68

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